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AUTOSSABOTAGEM E AUTODEPRECIAÇÃO

  • Foto do escritor: Relatos e Crônicas com Giselli Oliva
    Relatos e Crônicas com Giselli Oliva
  • 1 de ago.
  • 4 min de leitura

Quando a violência continua em silêncio após o abuso

Foto: Reprodução
Foto: Reprodução

Pouca gente entende que a violência doméstica não termina quando a relação termina. Para muitas mulheres, inclusive para mim, o fim da violência verbal foi apenas o começo de uma batalha interna. Um tipo de violência sutil, quase invisível, começa a morar dentro da gente: a autossabotagem e a autodepreciação.


Durante sete anos, fui silenciada, diminuída, culpada por coisas que não cometi, extremamente esvaziada das minhas forças. O que mais me machucou, sem sombra de dúvida, foi a violência emocional. A física também doeu, mas as palavras... estas doem profundamente até hoje, ecoam e sinalizam que algo quebrado ficou até hoje.


Fui constantemente xingada: louca, desequilibrada, prostituta, burra, inútil, sem noção, desqualificada, “você não é nada”, “ninguém vai te querer”, “você não tem valor”.

Esses xingamentos se repetiam como um mantra cruel. Repetidamente. Repetidamente. Repetidamente. Sem trégua. E depois de anos a fio... como não começar a acreditar neles? Como me libertar das ideias que ele, tão enfaticamente, plantou em mim?


Enquanto ele falava bem de mim aos outros — talvez para se gabar de estar com uma brasileira “aceitável” aos olhos italianos — dentro de casa, ele me destruía. Para ele, eu precisava ser reeducada, como se minha liberdade anterior fosse algo vergonhoso. Ele queria que eu apagasse a mulher que fui: a que viveu por três anos na Austrália, a que viajou sozinha mochilando por oito meses, a que se descobriu forte e independente. Eu tinha que esquecer a minha vida anterior.


E “ai de mim” se amigos homens falassem sobre mim para ele, ele me diminuía. Ele chegava depois em casa e me depreciava. Se saíamos e homens me olhavam, ele brigava comigo.

E, se por acaso, a qualquer momento, eu mencionasse a Austrália, ele gritava: “Para de falar desse cazzo de Austrália!”, “Parece que você só foi feliz na Austrália!”.


Como se minhas memórias fossem pecado. Como se a minha felicidade anterior tivesse sido um crime. Como se minha independência fosse uma completa ameaça. Como se minha aparência fosse desqualificada.


Se dizem que sou bonita, eu, automaticamente, procuro defeitos no espelho com ajuda da minha mente — que trabalha demais em me depreciar. Quando dizem que sou fodástica, já inicio a pensar que a pessoa não sabe o que está falando.

Recebo elogios e devolvo com um sorriso inseguro, como se estivessem falando de outra pessoa.

É como se algo em mim ainda me impedisse de acreditar e aceitar que eu mereço ser vista, reconhecida, celebrada. É como se algo me impedisse de encarar a minha própria força.


Essa é a face menos visível da violência: quando a mulher continua se maltratando, mesmo longe do agressor. É o medo de tentar e fracassar. É o impulso de desistir de algo bom, por achar que não é para você. É o boicote às próprias vitórias.

É a voz que, mesmo em silêncio, ainda diz: “Você não é suficiente.”


E é incrível como o nosso psicológico nos mata muito mais do que agressões físicas. As feridas internas são lentas. Profundas. Persistentes. Eu luto com elas até hoje — mesmo 13 anos depois. E ainda tem dias em que parece que tudo aconteceu ontem.


Mas hoje eu escrevo não para me afundar nessa dor — e sim para dizer: isso também é consequência da violência!

E reconhecer essa dor é o primeiro passo para curá-la.

Porque aos poucos, com muita paciência, com gentileza, com apoio, com terapia, com redes de mulheres, a gente vai reaprendendo a se enxergar com os próprios olhos — não com os olhos de quem nos feriu.


A autossabotagem não é fraqueza.

Ela é uma ferida. E toda ferida pode cicatrizar.

A autodepreciação é a continuação da violência, mas pelas suas próprias mãos.


O mundo, às vezes, parece insuportavelmente hipócrita. Pessoas lançando ódio umas sobre as outras, gatilhos por todos os lados. É matematicamente impossível se blindar de tudo. Já parei de seguir perfis por ficar mal. Parece ainda estarmos na era da pedra com certos comportamentos, que o ser humano realmente não evoluiu e que o livre-arbítrio deu muito errado. Mas é essa mesma internet que tem dado voz a histórias como a minha — e como a de tantas outras mulheres que, como eu, foram silenciadas.


Às vezes me pergunto se ainda vale ter esperança no ser humano.

Ok que às vezes prefiro muuuuito mais os cachorros, mas sigo ainda tentando a superação com a minha própria espécie.


Se você está lendo isso e sente que algo em você se quebrou... ou se você se sente pequena, incapaz ou invisível, saiba:

Isso não é quem você é. Isso é o que fizeram com você. E isso pode ser transformado. Talvez os cacos não voltarão ao formato que eram. Talvez esse novo formato vá ser mais bruto no início. E tá tudo bem. Porque nós, devagar, com o passar do tempo, teremos ciência, inteligência e uma empatia fora do comum, saberemos como abraçar, como acolher, como escutar.


Você não está sozinha.

Você não está louca.

Você está sobrevivendo. E isso, por si só, já é um ato de coragem imenso.


Quando voltei ao Brasil, eu busquei apoio. Difícil dar o primeiro passo, enxergar a necessidade e entender que precisa de ajuda. Mas buscar apoio é um ato de cura. Compartilhar vivências transforma silêncio em resistência. Busque-o também.


Abaixo, canais úteis para todas nós:


📍 Apoio Emocional e Canais de Ajuda no Brasil

📌 CAPS – Centros de Atenção Psicossocial

Atendimento psicológico gratuito em diversas cidades. Procure uma unidade de saúde próxima.

📞 Ligue 188 – CVV (Centro de Valorização da Vida)

Escuta emocional gratuita, 24 horas, por telefone ou chat em www.cvv.org.br

📞 Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher

Canal nacional para denúncias, apoio psicológico e orientação jurídica em casos de violência contra a mulher.


Com carinho e profundo respeito,

Giselli Oliva

Para contato e palestras:

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