Cultura Redpill – um complexo masculino?
- Relatos e Crônicas com Giselli Oliva

- 11 de jul.
- 4 min de leitura

Hey, moço, já analisou se você possui traços redpill?
A cultura redpill surgiu em espaços digitais no início dos anos 2000, apropriando-se de uma metáfora do filme Matrix (1999), na qual tomar a “pílula vermelha” simbolizaria enxergar a verdade por detrás de uma realidade ilusória. No entanto, o que começou como um símbolo de despertar foi ressignificado por comunidades online misóginas e masculinistas (que são similares – mas sutilmente diferentes – do machismo).
Atualmente, o termo redpill é usado para descrever um conjunto de ideias que sustentam uma visão distorcida e hostil das relações de gênero, na qual os homens seriam as verdadeiras "vítimas" da sociedade moderna, controlada por um suposto "sistema feminista".
A cultura redpill não é apenas uma subcultura inofensiva da internet. Ela representa uma ideologia organizada, estruturalmente baseada na aversão e ódio contra mulheres, disfarçada de autoajuda masculina ou "despertar da verdade". Vocês, seguramente, já devem ter se deparado com cortes no Instagram ou YouTube sobre isso — inclusive com comediantes femininas respondendo aos absurdos (na minha opinião) que são ditos nesses vídeos.
Gostaria de deixar claro que eu não sou feminista. Apesar de ter sofrido violência doméstica — física e psicológica — por parte de um homem, não compactuo com discursos extremistas. Aliás, essa longa experiência fez aflorar em mim uma linha muito racional, estratégica e pragmática. Poderia até dizer — em termos também infelizes — que me tornei mais fria e menos “emocionada”, tendo que controlar meus sentimentos para não me jogar de cabeça. E, quando vejo que começo a me apaixonar, me afasto. Eu sei... é uma pena... Mas ainda não achei uma tranquilidade para chamar de minha, na qual eu tenha certeza de passar o resto da minha vida. C’est la vie...
Mas, voltando aos redpills, a verdade é que, sim, seus membros propagam discursos que afirmam que as mulheres são naturalmente manipuladoras, que só se relacionam com homens por interesse — usualmente financeiro ou de prestígio — e que merecem submissão ou dominação para manter uma “ordem natural” nas relações. Como na época das cavernas, sabe?
Essas ideias alimentam a crença de que o homem deve retomar o controle emocional, sexual e até físico sobre as mulheres — crença que legitima, direta ou indiretamente, diversas formas de violência de gênero.
É mais que óbvio que a violência psicológica promovida por essa cultura se manifesta através da manipulação emocional, gaslighting (fazer a mulher duvidar da própria sanidade — e isso aconteceu muito comigo), humilhações, controle de roupas, amizades e rotinas. Isso se alinha com os discursos redpill que tratam a parceira como um “investimento” que precisa ser gerido e vigiado para evitar eventuais traições ou perdas de seu poder masculino. A naturalização desse controle emocional torna-se a porta de entrada para a violência física e doméstica.
Devo dizer que identifiquei a vivência sofrida por mim com tal característica do redpill. Isso porque, desde os primórdios, ele me fazia acreditar que eu estava ficando louca, desequilibrada, que eu não teria condições de fazer nada sem que ele me reafirmasse.
Diversos estudos e relatórios internacionais, incluindo da ONU Mulheres e da OMS (Organização Mundial da Saúde), mostram que homens que aderem a crenças de superioridade masculina e papéis rígidos de gênero estão mais propensos a praticar agressões contra suas parceiras. A cultura redpill reforça justamente esses valores, tornando-se um reforço ideológico para agressores.
Além disso, plataformas digitais — como já citei acima — tornam-se espaços onde esses comportamentos são validados e até incentivados por outros homens, criando uma rede de apoio à violência simbólica e real. Os grupos redpill não apenas normalizam a agressão, mas frequentemente zombam das vítimas, descredibilizando denúncias de abuso e até atacando instituições que defendem os direitos das mulheres.
O redpill não é somente um ser misógino.
Essa cultura também corrobora com o fortalecimento e a justificativa ao feminicídio como fenômeno social. Quando um homem enxerga sua parceira como propriedade ou como ameaça à sua identidade masculina, o rompimento ou a recusa de uma relação pode ser interpretado como afronta pessoal e desonra — base comum em muitos casos de assassinatos de mulheres. A estrutura de pensamento redpill legitima esse tipo de resposta como uma defesa do “status quo masculino”, o que é extremamente perigoso.
Por isso, se você, que está lendo este texto, já se deparou (ou se depara) com esse comportamento — no parceiro ou em si mesmo — tome cuidado. Existe uma linha muito tênue entre o redpill e o sistema de pensamento que sustenta discursos sobre violência contra mulheres, principalmente quando ocorrem entre quatro paredes. Eles reforçam a desigualdade de poder, desumanizam a mulher e normalizam o abuso sob forma de controle, chegando até ao assassinato como forma de "restaurar a ordem".
Entender essa cultura é essencial para enfrentarmos a violência de gênero de forma eficaz — não apenas punindo atos isolados, mas também desmantelando as ideologias que os sustentam. E eu falo, em primeira pessoa, que isso é muito difícil. Dependerá não somente da eficácia de apoio à vítima, mas da fiscalização, julgamento justo e condenação certa dos indivíduos. Não basta identificar o perigo e, com um simples habeas corpus ou sendo réu primário, vê-lo saindo pela porta da frente da delegacia.
Creio realmente que a falta de propósito, de discernimento, de inteligência nas pessoas está tão alta — o que vai totalmente na contramão do que deveríamos ser como seres humanos dotados de racionalidade, num mundo digital e promissor — que os “fracos” ou “complexados” vitimizam-se buscando respostas às suas frustrações.
Uma pena.
Giselli Oliva
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